Emoções, estados de espírito e minhas observações a esse respeito
(Foto: Marko Djurica/Reuters)
Aqui entre
nós, nesse ambiente de pessoas adultas e esclarecidas, podemos
concordar com a afirmação de que todos fazemos uma idéia, ainda que
vaga ou ambígua, do que queremos dizer quando usamos a palavra
“emoção”. Este é um tema, aliás, que desperta grande
interesse na maioria das pessoas. É um campo volátil, abstrato,
objeto de devaneios por parte de românticos e apaixonados, bem como
de interesse científico por parte de estudiosos ou profissionais. É
com esta curiosidade científica que lhe convido a analisar o esquema
que apresento a seguir.
Perceba como
funcionamos:
- Diante de qualquer evento que altere o curso natural dos acontecimentos que nos afetam
- As nossas interpretações
- Evidenciam o nosso olhar, (a forma como vemos o mundo, o nosso sistema de crenças)
- E geram emoções,
- Que são coerentes com a nossa linguagem (processos mentais)
- E disposições corporais equivalentes.
- Essa coerência entre o nosso olhar e a unidade (emocional, mental e corporal) que somos, pode desembocar em ações,
- Que gerarão resultados
- Que serão interpretados por outras pessoas,
- Cada uma através de seu próprio olhar
- Que também desencadeará nelas uma coerência de emoções, processos mentais e disposições corporais equivalentes
- Que culminarão em reações e assim por diante.
Afora
patologias como as da depressão, aonde emoções negativas podem ser
geradas em função de um desequilíbrio químico do cérebro, é
interessante notar que sempre, diante de qualquer emoção, podemos
nos perguntar a que mundo ela pertence, qual a história por trás
dela, ou que sistema de crenças a alimenta. No entanto, apesar desta
introdução abordando as emoções, não é este o tema que eu irei
atacar nesta nossa curta conversa. Hoje eu falo a respeito de algo
que, muito próximo das emoções, distingue-se delas por razões
essenciais que apresento a seguir.
Além das
emoções, que são pontuais e específicas a cada situação, somos
movidos também por humores, que são estados gerais de espírito e
estabelecem o contexto no qual interpretamos os acontecimentos à
nossa volta. Eu gosto de imaginar os humores como a “bolha
contextual”, ou como o fundo musical no qual interpretamos o mundo
e produzimos as nossas emoções. Podemos então metaforizar dizendo
que se o meu estado de espírito delimita o meu campo de ação, ou o
meu mundo de possibilidades, encontrando-se assim na dimensão do
Olhar, ou do contexto, as emoções, por sua vez, encontram-se na
dimensão da linguagem, do texto em si, como pontuações deste.
Trazendo essa nossa disposição metafórica para o campo musical,
podemos dizer que estados de espírito estão para o todo da
composição melódica, ao tempo em que emoções estão para cada
nota singular dessa composição.
Você já
percebeu que o que a uma pessoa entusiasmada parece fácil, à outra,
mergulhada em resignação, não se apresenta sequer como
possibilidade? O nosso olhar é colorido pelo nosso estado de
espírito e é a partir dele que interpretamos a vida, atuamos no
mundo e obtemos resultados. Creio que esse ponto tenha ficado claro.
Prossigamos então.
Enquanto
escrevo este texto, estou na Bahia, no Brasil, de férias e,
portanto, com a possibilidade de desfrutar de bastante tempo livre
para simplesmente observar as pessoas, como se movem, como se sentam,
como se levantam, se vestem, se abraçam, dirigem os seus carros
enfim. O que vejo são indivíduos comunicando, em cada movimento, o
seu humor particular, mas também um espírito coletivo, o “mood”
cultural, regional, social ou familiar em que está imerso. A esse
respeito, gostaria de mencionar a leitura que fiz de Freud ao final
das férias, que me iluminou, confirmando algumas das observações
que eu pontuo neste texto. Segundo ele:
“Cada
indivíduo é parte integrante de muitas massas, é multiplamente
ligado por identificação e construiu seu ideal do eu segundo os
mais diversos modelos. Assim, cada indivíduo participa de muitas
psiques de massa, a de sua raça, sua classe, sua comunidade
religiosa, seu Estado etc., e pode, indo além delas, se elevar até
um fragmentozinho de independência e de originalidade”1.
O Brasil,
aliás, é tão grande em suas proporções geográficas e a
diversidade regional é tão marcante que merece menção aqui. Não
só temos vários estados federais que se destacam bastante entre si
no sotaque e no jeito de ser, como temos também uma grande diferença
entre as classes sociais, cada uma com a sua própria cultura,
atmosfera e etiqueta.
Esse mar, ou
digamos, esse “campo de força” que impregna o jeito de ser e de
agir de toda uma coletividade “pega”, ou em outras palavras, é
comunicável, transmissível pelo convívio e geralmente transparente a quem nele vive. Ganhar consciência a esse respeito e
assenhorear-se de si, reconhecendo de onde vem cada espírito é
libertar-se, conquistar independência, posicionar-se à frente desse
organismo. Aliás, quem anda “à frente de seu tempo” vive sempre
entre a liderança e a marginalidade, já que, em não reconhecendo
sistemas, circula em um ambiente de liberdade e criação.
Concluímos
então que humores ou estados de espírito
- Atuam na dimensão do nosso olhar;
- Diferenciam-se das emoções, funcionando na verdade como o contexto em que estas surgem;
- Podem ser individuais ou coletivos;
- São transmissíveis pelo convívio;
- Geralmente transparentes a quem neles vive;
- Podemos, em ganhando consciência, libertarmo-nos, ainda que em grau mínimo, da dominação exercida pela coletividade
Algo que eu
gostaria destacar nesta análise é o fato de que para termos domínio
sobre os discursos dentro dos quais estamos inseridos, primeiro temos
de ganhar consciência a respeito de nós mesmos, dos nossos limites
e do nosso contexto, ou seja, precisamos enxergar o que antes nos era
transparente. Os processos que nos levam a essa descoberta são
muitas vezes dolorosos, pois nos tiram de nossa zona de conforto e
nos desafiam a caminharmos no contrafluxo, no entanto, nessa
caminhada a nossa consciência se expande e encontramos, a cada
transparência que enxergamos, mais liberdade, mais alma e portanto,
mais capacidade de amor.
O desafio
que encarei durante a minha estada no Brasil e o processo de
aprendizado para o qual eu convido você leitor é o de
desenvolvermos o hábito de estarmos mais atentos tanto aos nossos
estados individuais de humor, quanto aos espírito coletivos aos
quais se submetem as nossas famílias, comunidades e nações, bem
como às implicações dessa submissão no campo emocional, mental,
corporal, bem como no mundo que criamos com as nossas ações e
conseqüentes resultados.
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1
FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu. 2014, p.
140.