Emoções, estados de espírito e minhas observações a esse respeito

(Foto: Marko Djurica/Reuters)

Aqui entre nós, nesse ambiente de pessoas adultas e esclarecidas, podemos concordar com a afirmação de que todos fazemos uma idéia, ainda que vaga ou ambígua, do que queremos dizer quando usamos a palavra “emoção”. Este é um tema, aliás, que desperta grande interesse na maioria das pessoas. É um campo volátil, abstrato, objeto de devaneios por parte de românticos e apaixonados, bem como de interesse científico por parte de estudiosos ou profissionais. É com esta curiosidade científica que lhe convido a analisar o esquema que apresento a seguir.

Perceba como funcionamos:
  1. Diante de qualquer evento que altere o curso natural dos acontecimentos que nos afetam
  2. As nossas interpretações
  3. Evidenciam o nosso olhar, (a forma como vemos o mundo, o nosso sistema de crenças)
  4. E geram emoções,
  5. Que são coerentes com a nossa linguagem (processos mentais)
  6. E disposições corporais equivalentes.
  7. Essa coerência entre o nosso olhar e a unidade (emocional, mental e corporal) que somos, pode desembocar em ações,
  8. Que gerarão resultados
  9. Que serão interpretados por outras pessoas,
  10. Cada uma através de seu próprio olhar
  11. Que também desencadeará nelas uma coerência de emoções, processos mentais e disposições corporais equivalentes
  12. Que culminarão em reações e assim por diante.
Afora patologias como as da depressão, aonde emoções negativas podem ser geradas em função de um desequilíbrio químico do cérebro, é interessante notar que sempre, diante de qualquer emoção, podemos nos perguntar a que mundo ela pertence, qual a história por trás dela, ou que sistema de crenças a alimenta. No entanto, apesar desta introdução abordando as emoções, não é este o tema que eu irei atacar nesta nossa curta conversa. Hoje eu falo a respeito de algo que, muito próximo das emoções, distingue-se delas por razões essenciais que apresento a seguir.

Além das emoções, que são pontuais e específicas a cada situação, somos movidos também por humores, que são estados gerais de espírito e estabelecem o contexto no qual interpretamos os acontecimentos à nossa volta. Eu gosto de imaginar os humores como a “bolha contextual”, ou como o fundo musical no qual interpretamos o mundo e produzimos as nossas emoções. Podemos então metaforizar dizendo que se o meu estado de espírito delimita o meu campo de ação, ou o meu mundo de possibilidades, encontrando-se assim na dimensão do Olhar, ou do contexto, as emoções, por sua vez, encontram-se na dimensão da linguagem, do texto em si, como pontuações deste. Trazendo essa nossa disposição metafórica para o campo musical, podemos dizer que estados de espírito estão para o todo da composição melódica, ao tempo em que emoções estão para cada nota singular dessa composição.

Você já percebeu que o que a uma pessoa entusiasmada parece fácil, à outra, mergulhada em resignação, não se apresenta sequer como possibilidade? O nosso olhar é colorido pelo nosso estado de espírito e é a partir dele que interpretamos a vida, atuamos no mundo e obtemos resultados. Creio que esse ponto tenha ficado claro. Prossigamos então.

Enquanto escrevo este texto, estou na Bahia, no Brasil, de férias e, portanto, com a possibilidade de desfrutar de bastante tempo livre para simplesmente observar as pessoas, como se movem, como se sentam, como se levantam, se vestem, se abraçam, dirigem os seus carros enfim. O que vejo são indivíduos comunicando, em cada movimento, o seu humor particular, mas também um espírito coletivo, o “mood” cultural, regional, social ou familiar em que está imerso. A esse respeito, gostaria de mencionar a leitura que fiz de Freud ao final das férias, que me iluminou, confirmando algumas das observações que eu pontuo neste texto. Segundo ele:

Cada indivíduo é parte integrante de muitas massas, é multiplamente ligado por identificação e construiu seu ideal do eu segundo os mais diversos modelos. Assim, cada indivíduo participa de muitas psiques de massa, a de sua raça, sua classe, sua comunidade religiosa, seu Estado etc., e pode, indo além delas, se elevar até um fragmentozinho de independência e de originalidade”1.

O Brasil, aliás, é tão grande em suas proporções geográficas e a diversidade regional é tão marcante que merece menção aqui. Não só temos vários estados federais que se destacam bastante entre si no sotaque e no jeito de ser, como temos também uma grande diferença entre as classes sociais, cada uma com a sua própria cultura, atmosfera e etiqueta.

Esse mar, ou digamos, esse “campo de força” que impregna o jeito de ser e de agir de toda uma coletividade “pega”, ou em outras palavras, é comunicável, transmissível pelo convívio e geralmente transparente a quem nele vive. Ganhar consciência a esse respeito e assenhorear-se de si, reconhecendo de onde vem cada espírito é libertar-se, conquistar independência, posicionar-se à frente desse organismo. Aliás, quem anda “à frente de seu tempo” vive sempre entre a liderança e a marginalidade, já que, em não reconhecendo sistemas, circula em um ambiente de liberdade e criação.

Concluímos então que humores ou estados de espírito
  1. Atuam na dimensão do nosso olhar;
  2. Diferenciam-se das emoções, funcionando na verdade como o contexto em que estas surgem;
  3. Podem ser individuais ou coletivos;
  4. São transmissíveis pelo convívio;
  5. Geralmente transparentes a quem neles vive;
  6. Podemos, em ganhando consciência, libertarmo-nos, ainda que em grau mínimo, da dominação exercida pela coletividade
Algo que eu gostaria destacar nesta análise é o fato de que para termos domínio sobre os discursos dentro dos quais estamos inseridos, primeiro temos de ganhar consciência a respeito de nós mesmos, dos nossos limites e do nosso contexto, ou seja, precisamos enxergar o que antes nos era transparente. Os processos que nos levam a essa descoberta são muitas vezes dolorosos, pois nos tiram de nossa zona de conforto e nos desafiam a caminharmos no contrafluxo, no entanto, nessa caminhada a nossa consciência se expande e encontramos, a cada transparência que enxergamos, mais liberdade, mais alma e portanto, mais capacidade de amor.
 
O desafio que encarei durante a minha estada no Brasil e o processo de aprendizado para o qual eu convido você leitor é o de desenvolvermos o hábito de estarmos mais atentos tanto aos nossos estados individuais de humor, quanto aos espírito coletivos aos quais se submetem as nossas famílias, comunidades e nações, bem como às implicações dessa submissão no campo emocional, mental, corporal, bem como no mundo que criamos com as nossas ações e conseqüentes resultados.

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1 FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu. 2014, p. 140.